6 de dezembro de 2010

Artigo do Século Diário

Progaia: política capixaba não tem
claro posicionamento ambiental

Flavia Bernardes
Interesses econômicos, gana por poder e o ego estão entre as características marcantes no período eleitoral 2010, segundo a ambientalista Ilda de Freitas, do Programa de Apoio e Interação Ambiental (Progaia). Para ela, independentemente do candidato a ser eleito, os próximos anos continuarão exigindo forte mobilização popular para proteger a qualidade de vida.

A ambientalista faz parte da luta ambiental no município de Anchieta, onde está instalada a Samarco Mineração S/A e futuramente, poderá abrigar a Companhia Siderúrgica de Ubu (CSU), da Vale. Ela dirige a ONG Progaia, faz parte do Fórum de Ubu - que debate e acompanha os problemas relativos aos grandes empreendimentos na região –, é membro do Conselho de Saúde de Anchieta e coordena o Ceng (Conselho de Entidades Não-Governamentais).

“Em um momento em que o Ficha Limpa deu esperanças, o que vimos é que ainda temos muita luta pela frente. As pessoas de bem não ousam mais participar da política e pelo que vemos dos nossos candidatos não dá firmeza”, ressaltou Ilda de Freitas.
Para ela, a realidade ambiental do Estado do Espírito Santo não será alterada no novo governo. “A expectativa é de muita luta para a gente porque nada virá de cima pra baixo”, desabafou.

Entre os pontos mais críticos que deverão ser mantidos no Estado, pelo novo governo, que ela considera que será ocupado por Renato Casagrande (PSB), deverá prevalecer o que ela chamou de “parceria imbatível” entre empresas que geram forte impacto ambiental e social no Estado e o poder público.
“A arma para combater isso é a educação do povo, a consciência. Mas também não há interesse em informar a população”, disse ela.

Ao todo, a região de Anchieta onde atua o Progaia sofre há mais de 20 anos com a instalação da Samarco Mineração S/A, construída em uma região de balneário, gerando inúmeros impactos ao meio ambiente e à população.

Apesar do desenvolvimento prometido pelo projeto, a região convive atualmente com a contaminação por metais pesados da lagoa Mãe-Bá – uma das principais lagoas da região - a emissão de poluentes acima do limite permitido por lei; o inchaço populacional e a formação de bolsões de miséria; aumento da violência, trafico de drogas e prostituição, e a falta de infraestrutura nos setores da saúde e educação.

18 de outubro de 2009

O DESTINO DO LIXO DE ANCHIETA: ATERROS CLANDESTINOS DA PREFEITURA!

Há pouco mais de uma semana descobrimos  que a área destinada ao complexo esportivo de Anchieta, um alagadiço que certamente abriga nascentes,  estava sendo aterrada com o lixo do município.
Contatado, o Iema alegou falta de pessoal e que a visita ao local demoraria aproximadamente trinta dias, o que seria tempo suficiente para o término da “obra”.
Após muita insistência e severas críticas ao seu desempenho  por ocasião da reunião pública para o Termo de Referência da Siderúrgica da Vale, funcionários do Iema estiveram no local e constaram a veracidade da denúncia, o que, esperamos,  tenha dado início a um processo.
Poucos dias depois, em 16.10, por uma incrível coincidência ou providência divina, passávamos pela rodovia do Sol na altura do bairro da Guanabara quando  nos deparamos com uma viatura do Ibama,  uma viatura da Polícia Militar e um caminhão de lixo.
 Pelo que entendemos, foi também por pura coincidência que  os agentes do Ibama também  passavam pelo local no momento em que o caminhão de lixo da prefeitura “aterrava”  o íngreme terreno com os dejetos de Anchieta.
O Ibama chamou então a polícia militar que elaborou um BO que, segundo os policiais, estaria pronto em três dias. 
A alegação dos encarregados para a execução do aterro é que o proprietário do terreno “havia entrado em acordo com a prefeitura” para a realização da obra.    Simples assim.
O local em questão fica a apenas uns duzentos metros de uma área de preservação ambiental e da Lagoa de Icaraí.
Há seis anos essa área era lindíssima, verdadeiro patrimônio ecológico e paisagístico de Anchieta.  Mas tudo começou a mudar  com o anúncio da instalação da Terceira Usina da Samarco.
A partir daí, todos os dias, pela tarde, justamente após o encerramento do expediente da prefeitura, o fogo era ateado por mãos invisíveis e ardia durante toda a noite.  Mal a terra esfriava e surgiam cercas, construções, plantio de mandioca e bananeiras adultas e tudo o mais que, de acordo com nossas leis, caracterizaria um “beneficiamento”!
A destruição,  sistemática e organizada, deixou claro o envolvimento de autoridades. Tínhamos até nomes, mas provar era impossível.  Em vão, apelávamos  para a prefeitura, Idaf, Ibama, Iema, Polícia Ambiental,  MP. 
Como “resposta” aos nossos apelos, a prefeitura abriu ruas e dotou a área de iluminação pública!
 Nas construções prontas, a Sesan instalou água e a Escelsa, luz. Vale lembrar que do outro lado da Rodovia do Sol, onde as construções respondem às exigências legais e os moradores pagam IPTU e iluminação pública, a maioria das ruas tem iluminação precária ou ainda estão completamente às escuras. 
Quanto à Lagoa de Icaraí, seu destino parece selado como o destino dos nossos recursos hídricos em geral.  Rios e lagoas, além de serem receptores de esgotos,  agrotóxicos e lixo, tem suas nascentes soterradas  e  matas ciliares destruídas.
Onde está o Plano Diretor das Lagoas Costeiras da região? O que era condicionante da Primeira e Segunda Usina da Samarco foi mesmo integrado ao TAC da Samarco assinado em setembro de 2004! São cinco anos e só agora os estudos começarão. Para se arrastarem por quanto tempo ainda?
 Numa reunião na Samarco com os técnicos da Cepemar,  a empresa responsável pelo estudos, nos disseram que a demora é devida à dificuldade para se obter licenças do Ibama para os estudos e que isso pode demorar quase um ano. Quase um ano? E se fosse do interesse de uma empresa, também demoraria? Claro que não! E,  com mal disfarçado orgulho, ainda disseram que esse plano é inédito no Brasil e por isso não há referências para ajudar.  Quando dissemos que a situação das lagoas agora já é muito diferente daquela de há cinco anos e que, pelo andar da carruagem, quando o estudo estiver pronto já não haverá mais nada para salvar, foi-nos dito que, de qualquer forma, o destino de todas as lagoas é desaparecer. Claro, disso já sabíamos. O destino da terra também é desaparecer assim como do sol e de tudo o que há no universo. 
 O que fica evidente é que os interesses coletivos não gozam dos mesmos critérios que os interesses políticos e econômicos para determinar  as prioridades  do Iema e de todos os outros órgãos.  Por exemplo,  todo o processo de licenciamento da Terceira Usina não levou dois anos para sair. E, pelos cronogramas que nos foram recentemente apresentados, a Samarco terá a licença para a instalação da sua quarta usina já no ano que vem e a Vale, para sua mega-siderúrgica, em menos de dois anos.
 Já seria escandaloso e inadmissível se fosse apenas uma questão de prioridades mas tudo indica que é bem mais que isso.  A arquitetura do pólo industrial está sendo estruturada com requintes de irresponsabilidade e perversidade sócio-ambiental e sua estratégia inclui a privação ou enfraquecimento dos órgãos a quem poderíamos recorrer.  Se não fosse assim, Anchieta já seria Fórum de Terceira Entrância e não teria 15 mil casos engavetados, o que, é óbvio, desencoraja qualquer cidadão normal de recorrer ao MP. Também teríamos um Conselho de Meio ambiente e uma delegacia funcionando  em tempo integral e o número de policiais teria sido aumentado e não reduzido, como fizeram aqui (de 34 para 18!).  Resta  alguma dúvida?
Ilda de Freitas
Presidente do PROGAIA – Programa de Apoio e Interação Ambiental
Coordenadora do Fórum de Entidades Civis Organizadas do Litoral Sul do ES.

31 de agosto de 2009

O blog de cara nova

Já era tempo de voltar a essas páginas após um período de relativa calmaria, em parte devido à crise econômica que abalou o mundo, paralisou duas usinas da Samarco e fez hibernar os planos de desenvolvimento econômico para nossa região.

A calmaria era, de fato, apenas aparente. Mal foram sinalizados os primeiros sinais de recuperação econômica  que a “equipe do desenvolvimento” ataca pra valer demonstrando ter trabalhado ativamente nesse período.  Com isso já contávamos,  mas a expectativa era de “como” a nova investida aconteceria.

Como aperitivo do grande banquete que se preparava, tivemos, com honras e pompas, a assinatura do TCA – Termo de compromisso Ambiental firmado pela Samarco com o governo, através da mediação do MP.  Nele a Samarco se compromete a instalar equipamentos para uma drástica diminuição da poluição atmosférica até 2011. Por tal medida havíamos lutado há anos e ficamos agradavelmente surpresos com o acordo. 

Mas como diziam os antigos, “quando a esmola é demais os santos desconfiam”, nossa satisfação que já era ambígua... pouco durou.    Apesar  da publicidade do governo e da Samarco tentar atribuir essa medida como resultado de grande preocupação ambiental,  rapidamente essa  possibilidade caiu por terra, com o anúncio da implantação da quarta usina da Samarco e das intenções da Vale de instalar uma usina siderúrgica em Anchieta.  A única verdade que sobreviveu  ao TCA é que nenhuma empresa poderia se instalar em Anchieta se os índices de poluição atmosférica não fossem drasticamente reduzidos pois já estávamos nos limites permitidos por lei.

É disso que não gostamos senhores. De sermos tratados como idiotas. Um bom sinal de mudança de postura teria sido... dizer a verdade, simplesmente a verdade e, não,  apresentar a coisa como um presente para a sociedade, além de usar a própria sociedade como protagonista de uma encenação destinada ao marketing verde da Samarco e peça de propaganda eleitoral do governador.  A sociedade, mais uma vez, foi brindada com um presente de grego, exatamente como no passado.

Então, como no passado, volto ao meu blog. Ele não é certamente lido pelas massas, mas por quem interessa.  E isso faz toda a diferença!  Conscientes disso, trabalhamos numa nova “cara” onde a interatividade será prioridade.

Adianto que o que não falta é assunto já que as últimas semanas foram intensas, com muitas reuniões para a apresentação dos investimentos anunciados. Até breve.

 

 

4 de agosto de 2009

O INÍCIO DO FIM DA CRISE?

De acordo com os noticiários, a terrível crise econômica parece ter alcançado o fundo do poço e já aparecem os primeiros sinais de uma lenta mas gradativa recuperação.Este blog esteve praticamente mudo durante muitos meses e, em parte, também devido à crise. Afinal, a decisão do Governo Paulo Hartung de não implantar a siderúrgica Baosteel coincidiu praticamente com seu início.
De repente, tudo mudou. De um lado, nossa luta perseverante e árdua contra a gigante chinesa chegava ao fim, para alívio da maioria dos habitantes da região mas, por outro, preocupações de outro tipo tiveram início com o desemprego que atingiu ou rondou centenas de lares.
A Samarco Mineração esteve durante meses com duas das suas três usinas paradas e nossa preocupação se tornou tão grande quanto a dos desempregados. Nunca fomos contra o crescimento econômico e já repetimos isso várias vezes aqui. Nosso foco é e será o crescimento sustentável, o respeito pelas leis e pelos direitos dos cidadãos, a transparência de todos os atos públicos e o respeito pelos limites ecológicos da região.
Nosso trabalho mais importante nunca foi "pôr a boca no trombone" e sim construir, com todos aqueles que querem construir, quer seja sociedade civil, empresas ou poder público. Com respeito, ética, empenho e responsabilidade não nos furtamos ao trabalho e integramos vários conselhos e comissões.
Mas isso, como introdução. Na verdade volto ao meu blog um pouco pela cobrança de amigos e um pouco pelas circunstâncias.
A Vale acaba de anunciar sua intenção de implantar uma siderúrgica em Ancheita e, após todas as angústias que passamos com a perspectiva da vinda da Baoteel, muitos temem que o pesadelo possa voltar.
Por outro lado, a Samarco nos convida para uma reunião amanhã para tratar do Termo de Referência da sua Quarta Usina e a Petrobrás parece realmente decidida a construir um porto em Anchieta.
É muita coisa realmente mas mesmo com risco de desapontar alguns, não podemos ainda formular nenhuma opinião sobre nenhum desses empreendimentos. Nada está confirmado embora a questão do porto já esteja sendo tratada há meses e vários dos nossos questionamentos estejam sem respostas concretas, o que, confesso, nos inquieta profundamente.
Mas se há uma coisa que aprendemos, é esperar e  brigar no momento certo, se preciso for. Por enquanto, participaremos de todas as reuniões e audiências para as quais formos convidados na esperança de que o episódio Baoteeel nunca mais se repita e que o respeito pelos cidadãos possa encabeçar todo e qualquer processo que nos for apresentado.

18 de maio de 2009

A FILOSOFIA DA CÉLULA CANCEROSA

Estranhos tempos estamos vivendo. A insegurança trazida pela crise econômica mundial foi como um grande balde de água fria no desenfreado entusiasmo capitalista acostumado a passar por cima de tudo e de todos, independentemente de raça ou bandeira. E agora José? Quem paga realmente o pato é o povão mesmo que a desgraça também faça suas incursões pelas classes mais favorecidas. No Espírito Santo, que diferença comparado com um ano atrás quando o governo capixaba nos bombardeava diariamente com promessas do Eldorado. Promessas sem pé nem cabeça mas que despertaram a cobiça de muitos empresários, prontos para abocanhar uma boa fatia do bolo, mas também a esperança de milhares em conseguir um pequeno emprego, mesmo provisório e mal pago. Centenas de famílias despencaram de longe para se instalarem no sul do ES, especialmente Anchieta, Guarapari e Piúma. O impacto social precedeu em muito o crescimento econômico que não veio e, se viesse, nas bases projetadas, seria o caos social e ambiental. Assim, apesar de lamentarmos como todo mundo a imensa crise na qual o estado parece mergulhar de cabeça, acreditamos que há males que talvez venham para o bem. Talvez o mundo nunca mais volte a ser o mesmo e todos temos que estar preparados para enfrentar o que nos espera. Se investimento pode e deve ser feito, é no discernimento, nem temos escolha. Encontrei um excelente artigo que pode nos ajudar nisso. Boa leitura.
Quando o navio petroleiro Exxon Valdez naufragou nas costas do Alaska, foi necessário contratar inúmeras empresas para limpar as costas, o que elevou fortemente o PIB da região. Como pode a destruição ambiental aumentar o PIB? Simplesmente porque o PIB calcula o volume de atividades econômicas, e não se são úteis ou nocivas. Na metodologia atual, a poluição aparece como sendo ótima para a economia, e o IBAMA vai aparecer como o vilão que a impede de avançar. A análise é de Ladislau Dowbor.
"Crescer por crescer, é a filosofia da célula cancerosa" - Banner colocado por estudantes, na entrada de uma conferência sobre economia.

PIB, como todos devem saber, é o produto interno bruto. Para o comum dos mortais que não fazem contas macroeconômicas, trata-se da diferença entre aparecerem novas oportunidades de emprego (PIB em alta) ou ameaças de desemprego (PIB em baixa). Para o governo, é a diferença entre ganhar uma eleição e perdê-la. Para os jornalistas, é uma ótima oportunidade para darem a impressão de entenderem do que se trata. Para os que se preocupam com a destruição do meio-ambiente, é uma causa de desespero. Para o economista que assina o presente artigo, é uma oportunidade para desancar o que é uma contabilidade clamorosamente deformada.

Peguemos o exemplo de uma alternativa contábil, chamada FIB. Trata-se simplesmente um jogo de siglas, Felicidade Interna Bruta. Tem gente que prefere felicidade interna líquida, questão de gosto. O essencial é que inúmeras pessoas no mundo, e técnicos de primeira linha nacional e internacional, estão cansados de ver o comportamento econômico ser calculado sem levar em conta – ou muito parcialmente – os interesses da população e a sustentabilidade ambiental. Como pode-se dizer que a economia vai bem, ainda que o povo va mal? Então a economia serve para quê?

No Brasil a discussão entrou com força recentemente, em particular a partir do cálculo do IDH (Indicadores de Desenvolvimento Humano), que inclui, além do PIB, a avaliação da expectativa de vida (saúde) e do nível da educação. Mais recentemente, foram lançados dois livros básicos, Reconsiderar a riqueza, de Patrick Viveret, e Os novos indicadores de riqueza de Jean-Gadrey e Jany-Catrice. Há inúmeras outras iniciativas em curso, que envolvem desde o Indicadores de Qualidade do Desenvolvimento do IPEA, até os sistemas integrados de indicadores de qualidade de vida nas cidades na linha do Nossa São Paulo. O movimento FIB é mais uma contribuição para a mudança em curso. O essencial para nós, é o fato que estamos refazendo as nossas contas.

As limitações do PIB aparecem facilmente através de exemplos. Um paradoxo levantado por Viveret, por exemplo, é que quando o navio petroleiro Exxon Valdez naufragou nas costas do Alaska, foi necessário contratar inúmeras empresas para limpar as costas, o que elevou fortemente o PIB da região. Como pode a destruição ambiental aumentar o PIB? Simplesmente porque o PIB calcula o volume de atividades econômicas, e não se são úteis ou nocivas. O PIB mede o fluxo dos meios, não o atingimento dos fins. Na metodologia atual, a poluição aparece como sendo ótima para a economia, e o IBAMA vai aparecer como o vilão que a impede de avançar. As pessoas que jogam pneus e fogões velhos no rio Tieté, obrigando o Estado a contratar empresas para o desassoreamento da calha, contribuem para a produtividade do país. Isto é conta?

Mais importante ainda, é o fato do PIB não levar em conta a redução dos estoques de bens naturais do planeta. Quando um país explora o seu petróleo, isto é apresentado como eficiência econômica, pois aumenta o PIB. A expressão “produtores de petróleo” é interessante, pois nunca ninguém conseguiu produzir petróleo: é um estoque de bens naturais, e a sua extração, se der lugar a atividades importantes para a humanidade, é positiva, mas sempre devemos levar em conta que estamos reduzindo o estoque de bens naturais que entregaremos aos nossos filhos. A partir de 2003, por exemplo, não na conta do PIB mas na conta da poupança nacional, o Banco Mundial já não coloca a extração de petróleo como aumento da riqueza de um país, e sim como a sua descapitalização. Isto é elementar, e se uma empresa ou um governo apresentasse a sua contabilidade no fim de ano sem levar em conta a variação de estoques, veria as suas contas rejeitadas. Não levar em conta o consumo de bens não renováveis que estamos dilapidando deforma radicalmente a organização das nossas prioridades. Em termos técnicos, é uma contabilidade grosseiramente errada.

A diferença entre os meios e os fins na contabilidade aprece claramente nas opções de saúde. A Pastoral da Criança, por exemplo, desenvolve um amplo programa de saúde preventiva, atingindo milhões de crianças até 6 anos de idade através de uma rede de cerca de 450 mil voluntárias. São responsáveis, nas regiões onde trabalham, por 50% da redução da mortalidade infantil, e 80% da redução das hospitalizações. Com isto, menos crianças ficam doentes, o que significa que se consome menos medicamentos, que se usa menos serviços hospitalares, e que as famílias vivem mais felizes. Mas o resultado do ponto de vista das contas econômicas é completamente diferente: ao cair o consumo de medicamentos, o uso de ambulâncias, de hospitais e de horas de médicos, reduz-se também o PIB. Mas o objetivo é aumentar o PIB ou melhorar a saúde (e obem-estar) das famílias?

Todos sabemos que a saúde preventiva é muito mais produtiva, em termos de custo-benefício, do que a saúde curativa-hospitalar. Mas se nos colocarmos do ponto de vista de uma empresa com fins lucrativos, que vive de vender medicamentos ou de cobrar diárias nos hospitais, é natural que prevaleça a visão do aumento do PIB, e do aumento do lucro. É a diferença entre os serviços de saúde e a indústria da doença. Na visão privatista, a falta de doentes significa falta de clientes. Nenhuma empresa dos gigantes chamados internacionalmente de “big pharma” investe seriamente em vacinas, e muito menos em vacinas de doenças de pobres. Ver este ângulo do problema é importante, pois nos faz perceber que a discussão não é inocente, e os que clamam pelo progresso identificado com o aumento do PIB querem, na realidade, maior dispêndio de meios, e não melhores resultados. Pois o PIB não mede resultados, mede o fluxo dos meios.

É igualmente importante levar em consideração que o trabalho das 450 mil voluntárias da Pastoral da Criança não é contabilizado como contribuição para o PIB. Para o senso comum, isto parece uma atividade que não é propriamente econômica, como se fosse um bandaid social. Os gestores da Pastoral, no entanto, já aprenderam a corrigir a contabilidade oficial. Contabilizam a redução do gasto com medicamentos, que se traduz em dinheiro economizado na família, e que é liberado para outros gastos. Nesta contabilidade corrigida, o não-gasto aparece como aumento da renda familiar. As noites bem dormidas quando as crianças estão bem representam qualidade de vida, coisa muitíssimo positiva, e que é afinal o objetivo de todos os nossos esforços. O fato da mãe ou do pai não perderem dias de trabalho pela doença dos filhos também ajuda a economia. O Canadá, centrado na saúde pública e preventiva, gasta 3 mil dólares por pessoa em saúde, e está em primeiro lugar no mundo neste plano. Os Estados Unidos, com saúde curativa e dominantemente privada, gastam 6,5 mil, e estão longe atrás em termos de resultados. Mas ostentam orgulhosamente os 16% do PIB gastos em saúde, para mostrar quanto esforço fazem. Estamos medindo meios, esquecendo os resultados. Neste plano, quanto mais ineficientes os meios, maior o PIB.

Uma outra forma de aumentar o PIB é reduzir o acesso a bens gratuitos. Na Riviera de São Lourenço, perto de Santos, as pessoas não têm mais livre acesso à praia, a não ser através de uma séria de enfrentamentos constrangedores. O condomínio contribui muito para o PIB, pois as pessoas têm de gastar bastante para ter acesso ao que antes acessavam gratuitamente. Quando as praias são gratuitas, não aumentam o PIB. Hoje os painéis publicitários nos “oferecem” as maravilhosas praias e ondas da região, como se as tivessem produzido. A busca de se restringir a mobilidade, o espaço livre de passeio, o lazer gratuito oferecido pela natureza, gera o que hoje chamamos de “economia do pedágio”, de empresas que aumentam o PIB ao restringir o acesso aos bens. Temos uma vida mais pobre, e um PIB maior.

Este ponto é particularmente grave no caso do acesso ao conhecimento. Trata-se de uma área onde há excelentes estudos recentes, como A Era do Acesso, de Jeremy Rifkin; The Future of Ideas, de Lawrence Lessig; O imaterial, de André Gorz, ou ainda Wikinomics, de Don Tapscott. Um grupo de pesquisadores da USP Leste, com Pablo Ortellado e outros professores, estudou o acesso dos estudantes aos livros acadêmicos: o volume de livros exigidos é proibitivo para o bolso dos estudantes (80% de famílias de até 5 salários mínimos), 30% dos títulos recomendados estão esgotados. Na era do conhecimento, as nossas universidades de linha de frente trabalham com xerox de capítulos isolados do conjunto da obra, autênticos ovnis científicos, quando o MIT, principal centro de pesquisas dos Estados Unidos, disponibiliza os cursos na íntegra gratuitamente online, no quadro do OpenCourseWare (OCW) (1). Hoje, os copyrights incidem sobre as obras até 90 anos após a morte do autor. E se fala naturalmente em “direitos do autor”, quanto se trata na realidade de direitos das editoras, dos intermediários.

É impressionante investirmos por um lado imensos recursos públicos e privados na educação, e por outro lado empresas tentarem restringir o acesso aos textos. O objetivo, é assegurar lucro das editoras, aumentando o PIB, ou termos melhores resultados na formação, facilitando, e incentivando (em vez de cobrar) o aprendizado? Trata-se, aqui também, da economia do pedágio, de impedir a gratuidade que as novas tecnologias permitem (acesso online), a pretexto de proteger a remuneração dos produtores de conhecimento.

Outra deformação deste tipo de conta é a não contabilização do tempo das pessoas. No nosso ensaio Democracia Econômica, inserimos um capítulo “Economia do Tempo”. Está disponível online, e gratuitamente. O essencial, é que o tempo é por excelência o nosso recurso não renovável. Quando uma empresa nos obriga a esperarmos na fila, faz um cálculo: a fila é custo do cliente, não se pode abusar demais. Mas o funcionário é custo da empresa, e portanto vale a pena abusar um pouco. Isto se chama externalização de custos. Imaginemos que o valor do tempo livre da população econômicamente ativa seja fixado em 5 reais. Ainda que a produção de automóveis represente um aumento do PIB, as horas perdidas no trânsito pelo encalacramento do trânsito poderiam ser contabilizadas, para os 5 milhões de pessoas que se deslocam diariamente para o trabalho em São Paulo, em 25 milhões de reais, isto calculando modestos 60 minutos por dia. A partir desta conta, passamos a olhar de outra forma a viabilidade econômica da construção de metrô e de outras infraestruturas de transporte coletivo. E são perdas que permitem equilibrar as opções pelo transporte individual: produzir carros realmente aumenta o PIB, mas é uma opção que só é válida enquanto apenas minorias têm acesso ao automóvel. Hoje São Paulo anda em primeira e segunda, gastando com o carro, com a gazolina, com o seguro, com as doenças respiratórias, com o tempo perdido. Os quatro primeiros itens aumentam o PIB. O último, o tempo perdido, não é contabilizado. Aumenta o PIB, reduz-se a mobilidade. Mas o carro afinal era para quê?

Alternativas? Sem dúvida, e estão surgindo rapidamente. Não haverá o simples abandono do PIB, e sim a compreensão de que mede apenas um aspecto, muito limitado, que é o fluxo de uso de meios produtivos. Mede, de certa forma, a velocidade da máquina. Não mede para onde vamos, só nos diz que estamos indo depressa, ou devagar. Não responde aos problemas essenciais que queremos acompanhar: estamos produzindo o quê, com que custos, com que prejuizos (ou vantagens) ambientais, e para quem? Aumentarmos a velocidade sem saber para onde vamos não faz sentido. Contas incompletas são contas erradas.

Como trabalhar as alternativas? Há os livros mencionados acima, o meu preferido é o de Jean Gadrey, foi editado pelo Senac. E pode ser utilizado um estudo meu sobre o tema, intitulado Informação para a Cidadania e o Desenvolvimento Sustentável. Porque não haverá cidadania sem uma informação adequada. O PIB, tão indecentemente exibido na mídia, e nas doutas previsões dos consultores, merece ser colocado no seu papel de ator coadjuvante. O objetivo é vivermos melhor. A economia é apenas um meio. É o nosso avanço para uma vida melhor que deve ser medido.

* Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social: propostas para uma gestão descentralizada”, “O Mosaico Partido: a economia além das equações”, “Tecnologias do Conhecimento: os Desafios da Educação”, todos pela editora Vozes, além de “O que Acontece com o Trabalho?” (Ed. Senac) e co-organizador da coletânea “Economia Social no Brasil“ (ed. Senac) Seus numerosos trabalhos sobre planejamento econômico e social, inclusive o artigo Informação para a Cidadania mencionado acima, estão disponíveis no site http://dowbor.org – Contato: ladislau@dowbor.org

(1) O material do MIT pode ser acessado no site www.ocw.mit.edu; Em vez de tentar impadir a aplicação de novas tecnologias, como aliás é o caso das empresss de celular que lutam contra o wi-fi urbano e a comunicação quase gratuita via skype, as empresas devem pensar em se reconverter, e prestar serviços úteis ao mercado. A IBM ganhava dinheiro vendendo computadores, e quando este mercado se democratizou com o barateamento dos computadores pessoais migrou para a venda de softwares. Estes hoje devem se tornar gratuitos (a própria IBM optou pelo Linux), e a empresa passou a se viabilizar prestando serviços de apoio informático. Travar o acesso aumenta o PIB, mas empobrece a sociedade.

25 de março de 2009

NÃO ESTAMOS DORMINDO

Amigos e companheiros: A falta de notícias neste blog não significa que as coisas estejam paradas, muito pelo contrário. Nunca minha agenda esteve tão cheia e nunca a sociedade civil esteve tão envolvida com as questões do município de Anchieta e toda a região sul do Estado. Estamos num momento-chave onde projetos começam a ganhar forma e os caminhos para alcançar os objetivos que nos propomos ganha mais definição com a consolidação e o amadurecimento do Fórum de Entidades Civis Organizadas do Litoral Sul do ES.
O fato é que o próprio amadurecimento do Fórum de Entidades e a evolução positiva por que tem passado nos leva a ser mais cautelosos com as informações que fornecemos. Uma declaração precipitada poderia pôr em risco o trabalho que estamos desenvolvendo na busca de soluções para as questões que não mais dizem respeito a uma só entidade ou os propósitos e lutas de líderes isolados.
Somos agora um grupo cada vez mais unido,  uma equipe cada vez mais entrosada e mais determinada, caminhando firme para alcançar nossos objetivos comuns.  Isso significa uma atuação mais ampla e eficiente em diversas frentes de trabalho, maior acesso às informações, maior capacidade para gerenciar essas informações e mais objetividade na abordagem das questões.   
Eu diria que tudo mudou e que estamos vivendo um momento de transição positivo e promissor. Foram muitas as etapas e os obstáculos que tivemos que vencer até a criação do Fórum de Ubú atualmente sob a coordenação do Dr. Marco Antônio Nogueira, promotor responsável pela Micro-Região Sul do MA. A própria micro-região foi criada para atender a demanda cada vez mais forte da sociedade civil.
Assim, após a primeira conquista que foi a criação e consolidação do Fórum de Entidades, o Fórum de Ubú surgiu para coroar um longo trabalho na conquista de um espaço de debate que reúne autoridades, entidades civis e empresas.
O trabalho sério e responsável do Dr. Marco Antônio Nogueira tem sido o maior estímulo para nosso próprio trabalho e fonte de novas esperanças na conquista dos direitos dos cidadãos e sua real participação nas políticas públicas para que possamos alcançar um crescimento realmente sustentável, mais justiça, mais respeito ao meio ambiente, mais qualidade de vida. 
Evidentemente que isso não agrada a todo mundo. Em todos os setores existem pessoas acorrentadas ao próprio umbigo ou engessadas em hábitos e condicionamentos que mostram como é difícil se libertar dos grilhões da prepotência colonizadora que ainda marca profundamente nossa cultura maniqueísta e hipócrita. Mas deixemos isso aos futuros historiadores e antropólogos que talvez se debrucem um dia sobre as origens da mudança que esperamos alcançar com nosso trabalho. A única coisa que deve nos interessar neste momento, é que essa mudança ocorra.
Sei que tudo isso pode parecer um pouco vago e espero poder, em breve, trazer notícias concretas sobre nosso trabalho. Minhas palavras hoje são apenas para tranquilizar alguns e alertar outros. Não estamos dormindo.