Há pouco mais de uma semana descobrimos que a área destinada ao complexo esportivo de Anchieta, um alagadiço que certamente abriga nascentes, estava sendo aterrada com o lixo do município.
Contatado, o Iema alegou falta de pessoal e que a visita ao local demoraria aproximadamente trinta dias, o que seria tempo suficiente para o término da “obra”.
Após muita insistência e severas críticas ao seu desempenho por ocasião da reunião pública para o Termo de Referência da Siderúrgica da Vale, funcionários do Iema estiveram no local e constaram a veracidade da denúncia, o que, esperamos, tenha dado início a um processo.
Poucos dias depois, em 16.10, por uma incrível coincidência ou providência divina, passávamos pela rodovia do Sol na altura do bairro da Guanabara quando nos deparamos com uma viatura do Ibama, uma viatura da Polícia Militar e um caminhão de lixo.
Pelo que entendemos, foi também por pura coincidência que os agentes do Ibama também passavam pelo local no momento em que o caminhão de lixo da prefeitura “aterrava” o íngreme terreno com os dejetos de Anchieta.
O Ibama chamou então a polícia militar que elaborou um BO que, segundo os policiais, estaria pronto em três dias.
A alegação dos encarregados para a execução do aterro é que o proprietário do terreno “havia entrado em acordo com a prefeitura” para a realização da obra. Simples assim.
O local em questão fica a apenas uns duzentos metros de uma área de preservação ambiental e da Lagoa de Icaraí.
Há seis anos essa área era lindíssima, verdadeiro patrimônio ecológico e paisagístico de Anchieta. Mas tudo começou a mudar com o anúncio da instalação da Terceira Usina da Samarco.
A partir daí, todos os dias, pela tarde, justamente após o encerramento do expediente da prefeitura, o fogo era ateado por mãos invisíveis e ardia durante toda a noite. Mal a terra esfriava e surgiam cercas, construções, plantio de mandioca e bananeiras adultas e tudo o mais que, de acordo com nossas leis, caracterizaria um “beneficiamento”!
A destruição, sistemática e organizada, deixou claro o envolvimento de autoridades. Tínhamos até nomes, mas provar era impossível. Em vão, apelávamos para a prefeitura, Idaf, Ibama, Iema, Polícia Ambiental, MP.
Como “resposta” aos nossos apelos, a prefeitura abriu ruas e dotou a área de iluminação pública!
Nas construções prontas, a Sesan instalou água e a Escelsa, luz. Vale lembrar que do outro lado da Rodovia do Sol, onde as construções respondem às exigências legais e os moradores pagam IPTU e iluminação pública, a maioria das ruas tem iluminação precária ou ainda estão completamente às escuras.
Quanto à Lagoa de Icaraí, seu destino parece selado como o destino dos nossos recursos hídricos em geral. Rios e lagoas, além de serem receptores de esgotos, agrotóxicos e lixo, tem suas nascentes soterradas e matas ciliares destruídas.
Onde está o Plano Diretor das Lagoas Costeiras da região? O que era condicionante da Primeira e Segunda Usina da Samarco foi mesmo integrado ao TAC da Samarco assinado em setembro de 2004! São cinco anos e só agora os estudos começarão. Para se arrastarem por quanto tempo ainda?
Numa reunião na Samarco com os técnicos da Cepemar, a empresa responsável pelo estudos, nos disseram que a demora é devida à dificuldade para se obter licenças do Ibama para os estudos e que isso pode demorar quase um ano. Quase um ano? E se fosse do interesse de uma empresa, também demoraria? Claro que não! E, com mal disfarçado orgulho, ainda disseram que esse plano é inédito no Brasil e por isso não há referências para ajudar. Quando dissemos que a situação das lagoas agora já é muito diferente daquela de há cinco anos e que, pelo andar da carruagem, quando o estudo estiver pronto já não haverá mais nada para salvar, foi-nos dito que, de qualquer forma, o destino de todas as lagoas é desaparecer. Claro, disso já sabíamos. O destino da terra também é desaparecer assim como do sol e de tudo o que há no universo.
O que fica evidente é que os interesses coletivos não gozam dos mesmos critérios que os interesses políticos e econômicos para determinar as prioridades do Iema e de todos os outros órgãos. Por exemplo, todo o processo de licenciamento da Terceira Usina não levou dois anos para sair. E, pelos cronogramas que nos foram recentemente apresentados, a Samarco terá a licença para a instalação da sua quarta usina já no ano que vem e a Vale, para sua mega-siderúrgica, em menos de dois anos.
Já seria escandaloso e inadmissível se fosse apenas uma questão de prioridades mas tudo indica que é bem mais que isso. A arquitetura do pólo industrial está sendo estruturada com requintes de irresponsabilidade e perversidade sócio-ambiental e sua estratégia inclui a privação ou enfraquecimento dos órgãos a quem poderíamos recorrer. Se não fosse assim, Anchieta já seria Fórum de Terceira Entrância e não teria 15 mil casos engavetados, o que, é óbvio, desencoraja qualquer cidadão normal de recorrer ao MP. Também teríamos um Conselho de Meio ambiente e uma delegacia funcionando em tempo integral e o número de policiais teria sido aumentado e não reduzido, como fizeram aqui (de 34 para 18!). Resta alguma dúvida?
Ilda de Freitas
Presidente do PROGAIA – Programa de Apoio e Interação Ambiental
Coordenadora do Fórum de Entidades Civis Organizadas do Litoral Sul do ES.